Retrospectiva da Educação Musical no Brasil
Retrospectiva da Educação Musical no Brasil

Banda

No Brasil, a educação musical passou por uma trajetória lenta e reformista, observando-se as mais diversas concepções referentes ao ensino da música. Por exemplo, com a queda do sistema Republicano em 1930, instalou-se uma política educacional nacionalista e autoritária que utilizou a música para desenvolver a "coletividade", a "disciplina" e o "patriotismo". É durante esse período que se dá a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas primárias e secundárias (Decreto nº 19.891, de 11 de abril de 1931), refletindo um momento de transformação liderado por Villa-Lobos.

Após a Segunda Grande Guerra, surge o movimento Música Viva, liderado por Hans-Joachim Koellreuter*, o qual defendia o "combate pela música que revela o eternamente novo, isto é: por uma arte musical que seja a expressão real da época e da sociedade". Este movimento foi apoiado por uma importante geração de compositores brasileiros, entre os quais Cláudio Santoro, César Guerra Peixe, Edino Krieger, Heitor Alimonda e Eunice Katunga, que posteriormente seguiriam caminhos diversos.

O movimento Música Viva teve também sua participação na educação musical brasileira. Ressaltam-se aqui os pontos essenciais: (a) o privilégio da criação musical; (b) a importância da função social do criador contemporâneo; (c) a questão do coletivo; (d) a contemporaneidade e renovação (KATER, 1992). De excertos (transcritos por Kater) do capítulo "Da educação artística, de uma mentalidade nova, de um novo estilo" do Manifesto de 1945, extrai-se parte do pensamento do Grupo Música Viva referente ao ensino de música:

1. Educar a coletividade utilizando as inovações técnicas a fim de que ela se torne capaz de selecionar e julgar o que de melhor se adapta à personalidade de cada um dentro das necessidades da coletividade;

2. Combater o ensino baseado em opiniões pré-estabelecidas e preconceitos aceitos como dogmas;

3. Reorganizar os meios de difusão cultural. (...) Consideramos essencial a substituição do individualismo e do exclusivismo pelo coletivismo em música, preconizamos para o ensino musical as formas coletivas de ensino: canto orfeônico e conjunto instrumental" (Ibid, p.24-5).


            Depois de diversas práticas influenciadas por "movimentos educacionais e estéticos, demonstrando práticas rígidas e flexíveis, especializadas e integradas, unimetódicas e ecléticas, tradicionais e inovadoras" (OLIVEIRA, 1992, p.38), a educação musical brasileira nos anos 60 viveu tendências que ressaltavam a sensibilidade, criação e improvisação. Discute-se o que é sensibilizar e musicalizar e afirmam-se palavras-chave como Iniciação Musical, Musicalização, Arte-Educação, Sensibilização, Métodos.

            Em 1971, a música passou a fazer parte de um ensino interdisciplinar, com base no artigo 7º da Lei 5.692 de 1971. Com esta reforma, a Educação Artística foi introduzida nos currículos escolares de I e II Graus, trazendo problemas para o ensino da música, bem como para as outras artes (artes plásticas e artes cênicas). A partir de 1971, o professor de Educação Artística ficou responsável por uma prática pedagógica polivalente. Consequentemente, aqueles profissionais que tinham formação na área da música davam aulas de música e, esporadicamente, pincelavam tentativas com atividades de artes plásticas e artes cênicas. Entretanto, aqueles professores que não tinham formação em música acabavam ministrando aulas apenas nas outras áreas. Por outro lado, os cursos de Licenciatura em Educação Artística ofereciam disciplinas nas três áreas, disto resultando uma aprendizagem rápida e superficial.

            Vale ressaltar que a maioria dos alunos que ingressava nesses cursos não possuía nenhuma formação prévia em qualquer das áreas, criando-se assim um "exemplo típico de um círculo vicioso: o aluno não possui educação musical a nível de I e II Graus, consequentemente chega nas graduações sem muito conhecimento prévio, e retorna como professor sem muitas condições de desenvolver um ensino apropriado de música" (HENTSCHKE, 1993, p.52).

            Depois de formado, o professor procura fazer o concurso público que, de acordo com a Lei nº 5692/71, lhe permite ministrar aulas apenas da 5ª à 8ª série do I Grau ou no II Grau. Dessa forma, as séries primárias foram as primeiras a ficar sem professor especializado e, de um modo geral, o ensino de música nas escolas parece estar desaparecendo gradualmente.

            A educação musical tornou-se, então, privilégio de alguns, pois a maioria das escolas brasileiras aboliu o ensino de música dos currículos escolares devido a fatores como a não-obrigatoriedade da aula de música na grade curricular e a falta de profissionais da área, somando-se a isso os valores culturais e sociais que regem a sociedade brasileira.

            As raras instituições de ensino que ainda preservam a música no programa curricular oferecem uma carga horária mínima e, nessa situação caótica, ainda encontra-se a problemática da prática pedagógica da educação musical (BEYER, 1993). Na grande maioria das vezes, segundo Santos (1994), as aulas restringem-se ao trabalho de "eventos culturais objetivando culminâncias que, embora altamente motivadoras, vêm em nome de um produto, sacrificando um processo" (p.10). E a autora prossegue mencionando que os professores aceitam a função de "festeiro, preparador de hinos; encaram o trabalho artístico e musical como auxiliar pedagógico para fixação de conhecimentos de outras disciplinas; justificam o trabalho artístico e musical como momento de liberação emocional e/ou relaxamento para o desenvolvimento em processos cognitivos desenvolvidos em outras disciplinas do currículo" (Ibid).

            Outro aspecto a ser considerado, além da ineficiente formação dos professores, é a falta de embasamento teórico que fica explícita em suas práticas, o que promoveria o direcionamento a uma filosofia pedagógica.

            É comum, por parte dos professores, a procura de atividades prontas, as famosas ‘receitas’. As aulas limitam-se a uma seqüência de atividades escolhidas a esmo ou então adota-se algum método gerado no Brasil (Villa-Lobos, Gazzi de Sá, Liddy Mignone e Sá Pereira) ou algum método trazido da Europa — o que é o mais comum — (Dalcroze, Orff, Kodaly, Willems, Martenot), métodos estes que por muito tempo serviram, e ainda servem, de modelo na prática educacional. A esse respeito, cita-se a contribuição de Penna (1990):


"No entanto, não podemos esquecer que esses métodos carregam uma concepção de música e de mundo. Podemos nos reapropriar de exercícios dos vários métodos, na condição de, compreendendo os princípios que os embasam, redirecioná-los para as metas que almejamos. O problema, afinal, é não tomar esses métodos como um conjunto de técnicas a reproduzir, consagradas pela assinatura de seu autor, e portanto capazes de garantir, em todos os níveis, a nossa prática. Nem a prática nem qualquer método devem estar imunes a questionamentos, que são, inclusive, o motor de um constante aprimoramento" (p.66).

 

Observa-se ainda o crescente número de materiais pedagógicos. Começa a aparecer uma variedade de livros didáticos para os mais diversos instrumentos, bem como para a Educação Musical. Entre eles, citam-se, por exemplo: "Meu Piano é Divertido" (1976); "Explorando Música através do Teclado" (1989); "Iniciação Musical com Introdução ao Teclado" (1990); "Criando e Aprendendo" (1973); "Pedrinho Toca Flauta: uma iniciação musical através da flauta doce para crianças" (1985).

Os livros surgem como uma estratégia de melhoria da qualidade de ensino, como um mecanismo de modernização ao invés da modificação de planos e programas de estudo. A esse processo, Torres (1994) chama de "tecnologia educativa" e, além de falar sobre o aspecto positivo dos livros no rendimento escolar, a autora posiciona-se da seguinte maneira: "(...) a maior participação docente e a maior autonomia pedagógica que hoje se reivindica para os professores, resgatando seu papel técnico e profissional, contradiz essencialmente a dependência, cada vez maior, do livro escolar como resposta às suas fraquezas" (p.24).

Apesar de Torres (1994) referir-se ao livro escolar em especial, sua posição é bastante pertinente e adequada também ao professor de música, assim como se pode observar através do pensamento de Santos (1994): "a ênfase no tratamento do ensino musical através da experimentação gerou a fase do livro didático, em que a ‘experimentação’ do fenômeno musical é prevista passo a passo" (p.10). Esse procedimento didático é observado tanto na prática dos professores de instrumento quanto na dos professores de educação musical. Os professores de instrumento escolhem determinados livros e durante anos tendem a repetir as mesmas estratégias de ensino, o mesmo repertório.

De acordo com Santiago (1994), existe nesses professores "uma tendência à acomodação aos processos por meio dos quais eles próprios foram educados, sem uma exploração de novos métodos". E a autora continua: "ocorre inclusive uma acomodação ao repertório padrão, e ouvem-se dezenas de alunos a repetirem as mesmas obras anos após anos, como se só aquelas existissem fomentando um ‘mesmismo’ generalizado" (p.226). Por outro lado, o professor de educação musical reproduz atividades extraídas de métodos, assim como afirma Santos, ao comentar a experiência musical brasileira nos últimos anos:

 "Foi imediata a adoção de séries de exercícios com o fim de facilitar a aprendizagem de elementos expressivos da linguagem musical (embora desligados de um fazer próprio do grupo, da forma de organização da linguagem no novo contexto sócio-cultural), exercícios esses isentos de dimensão estética e musical, que fragmentam a experiência artística destituindo-a de unidade e sentido. (...) Pouca ou nenhuma reflexão ocorreu sobre os pressupostos filosóficos e psicológicos desses métodos, as bases sócio-culturais sobre as quais foram construídos ou sua abrangência como experiência pedagógica" (1994, p.10).