Tendência Pedagógicas Atuais
Tendência Pedagógicas Atuais

Apesar de no Brasil haver uma carência de estudos que tratem da prática da educação musical em sala de aula, pode-se afirmar que existem linhas filosóficas educacionais por vezes não declaradas que estão diretamente relacionadas à ação pedagógica dos professores.

De acordo com Libâneo (1987), "uma boa parte dos professores, provavelmente a maioria, baseia sua prática em prescrições pedagógicas que viram senso comum, incorporadas quando de sua passagem pela escola ou transmitidas pelos colegas mais velhos; entretanto, essa prática contém pressupostos teóricos implícitos" (p.19).

Fonterrada (1993), ao analisar a situação da música no Brasil a partir de 1971, lembrando as modificações estruturais que ocorreram com o ensino da música nas escolas, ressalta que duas linhas pedagógicas podem ser identificadas, as quais a autora denomina de ‘tradicional’ e ‘alternativa’.

A tradicional, segundo Fonterrada, "aproxima-se do modelo de educação tecnicista e tem por objetivo a formação de instrumentistas, cantores, compositores e/ou regentes" (p.78). Os profissionais que seguem essa linha defendem a música como privilégio somente daqueles bem dotados musicalmente, importam valores e procedimentos de outros países sem refletir sua adequação para o ensino brasileiro, enfim, cultivam um passado, tendo dificuldades de acompanhar as novas propostas que surgem na área.

A educação musical ‘alternativa’, conseqüência da prática da Educação Artística, advoga a música como uma prática de todos, amparando-se nos pressupostos filosóficos da corrente pedagógica ativa, ou seja, centrada na iniciativa e nos interesses dos alunos. Inserida num modelo teórico naturalista, a prática educacional da música, assim como assinala Fonterrada (1993), ressalta a "ampliação do universo sonoro, expressão musical através da vivência e da experimentação livre, liberação das emoções, valorização do folclore e da música nacional" (p.79).

As duas linhas pedagógicas — tradicional e alternativa — detectadas por Fonterrada (1993) assemelham-se às linhas mencionadas por Swanwick (1988) quando o autor se refere às teorias de educação musical identificadas nas escolas inglesas. A linha pedagógica tradicional fundamenta-se nos mesmos princípios da teoria também denominada de tradicional, enquanto que a alternativa corresponde à teoria progressista, ambas concebidas com as mesmas características.

Na Inglaterra, com o intuito de verificar cuidadosamente a prática musical curricular, foi realizado, por Swanwick (1988), um estudo em 60 escolas, entre 1985 e 1987. O pesquisador pôde detectar uma grande variedade de atividades em sala de aula, as quais pareciam ser determinadas pelos princípios teóricos e pedagógicos de cada professor. Não existia, portanto, continuidade e sistematização na prática curricular do ensino de música nas instituições de ensino.

A partir da diversidade de propostas de aprendizagem realizadas nas aulas de música, Swanwick (1988) verificou que tais atividades poderiam ser classificadas em "três bases lógicas rivais", quais sejam: a ‘tradicional’ ou ‘centrada na matéria’, a ‘progressista’ ou ‘centrada na criança’ e a ‘multicultural’. Essas teorias que tentam classificar as correntes pedagógicas na prática escolar têm sido utilizadas, por muitos pedagogos, como instrumento de análise da prática docente. São fundamentadas nas teorias de educação já existentes.

A teoria tradicional de educação caracteriza-se pelo predomínio do ensino dirigido, onde o professor transmite ao aluno informações, consideradas apropriadas, referentes a determinados assuntos, os quais devem ser memorizados. Cabe ao professor a seleção do que, como e quando o aluno vai aprender, bem como a seleção do material pedagógico. Não se questiona o porquê de tal aprendizagem. "Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as relações sociais.

É a predominância da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual" (LIBÂNEO, 1987, p.22). No ensino da música predominam atividades como o desenvolvimento da leitura da notação musical, a aprendizagem de habilidades específicas para tocar um instrumento e informações acerca das ‘melhores músicas’ e dos ‘melhores compositores’ dos diferentes períodos da história da música. Em geral, ocorre um ensino fragmentado, sem que exista uma relação entre os assuntos estudados, ou seja, existe uma desvinculação bastante significativa entre a teoria e a prática.

A abordagem adotada está relacionada à psicologia ‘mecanicista’ (ou psicologia associacionista, em vigor no século passado), onde a preocupação está centrada no resultado, não no processo que ocorre durante a aprendizagem (BIGGE, 1977).

Em contraposição à teoria tradicional, a progressista valoriza a auto-educação, preocupando-se mais com os processos mentais e habilidades cognitivas do que com a organização racional dos conteúdos (LIBÂNEO, 1987).

O ensino é centrado no aluno e no grupo, ressaltando-se o desenvolvimento das aptidões individuais. Volta-se para a compreensão da natureza psicológica da criança, pois suas necessidades e interesses são importantes para que ela se adapte com facilidade ao meio.

O professor agora tem o papel de auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo da criança, atentando também para manter um relacionamento positivo com o aluno. Vários educadores musicais desenvolveram idéias semelhantes, baseadas nesses princípios educacionais, as quais podem ser observadas com freqüência na prática educacional dos professores de música tanto de escolas inglesas quanto de escolas americanas.

Carl Orff, o primeiro pedagogo progressista (Swanwick, 1988), enfatizou a participação efetiva do aluno através de sua experiência na execução de instrumentos musicais, canto, treinamento auditivo, movimento e improvisação. Defendeu a prática antes da teoria, não se preocupando com a segunda questão.

Para Orff, a música é o resultado natural da fala, do ritmo e do movimento, estabelecendo-se assim a tríplice aliança artística, igualmente almejada por ele — música, dança e drama (CHOSKY et al., 1986).

O importante é a criança vivenciar, fazer música dentro de um grupo até criar suas próprias manifestações sonoras e ir tomando consciência de conjunto a cada etapa do processo.

A terceira teoria da educação musical citada por Swanwick (1988) é a teoria multicultural, a qual, segundo o autor, está relacionada à diversidade cultural encontrada nas sociedades, resultante tanto do crescimento da migração e imigração das mais diversas culturas quanto do desenvolvimento dos cada vez mais eficientes meios de comunicação.

Não há dúvida de que as preferências musicais são sinais culturais, e os processos de rotular a música e de colocá-la dentro de um contexto de aprovação social são universais e podem ser encontrados dentro de qualquer categoria de tradições ocidentais clássicas ou folclóricas.

Conseqüentemente, a fusão da música com a cultura e o estilo de vida em geral dá-se de acordo com os costumes culturais óbvios, ou seja, costumes e práticas religiosas, políticas ou de qualquer outra categoria (Ibid.,1988).

De acordo com a linha de pensamento multicultural, o papel da educação é evitar, ou pelo menos reduzir, a rotulação e a estereotipação cultural através de um maior contato com diferentes manifestações musicais, fazendo com que os alunos vivenciem experiências construídas a partir de elementos independentes de vinculação cultural. A principal tarefa do professor refere-se à escolha do repertório.

Conforme Swanwick (1988), o educador tem a responsabilidade de tornar familiares aos estudantes as diferentes convenções estruturais presentes nos diversos idiomas musicais, ou seja, mostrar como as idéias musicais podem ser estabelecidas e transformadas através dos diversos modos de repetição e contraste.

Hentschke (1993b) entende que, além das três bases educacionais expostas até aqui, ainda uma outra está presente na ação pedagógica dos professores de música, a qual a autora denomina de Teoria Psicológica (p.62) e que se refere aos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem do pensamento musical.

Desde o final do século passado educadores musicais e psicólogos vêm pesquisando como a música é processada pelo indivíduo e que efeitos psicológicos exerce sobre ele (Ibid., p.63). Por outro lado, poucos estudos foram realizados sobre o desenvolvimento musical relativamente ao crescimento físico e intelectual do indivíduo.

Uma das tentativas mais recentes é a Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical de Keith Swanwick (1988), que enfoca a maneira pela qual ocorre o conhecimento e a compreensão musicais em cada indivíduo. O autor propõe uma seqüência específica referente ao desenvolvimento musical da criança, adolescente ou adulto. Hentschke (1993b) reforça a posição de Swanwick observando que o Modelo Espiral pode servir de "suporte para o desenvolvimento curricular" e também como "critério para avaliação dos produtos musicais" (p.64).

Uma prática educacional baseada nos princípios da Teoria Psicológica, segundo Hentschke (1993b), deverá preocupar-se com "os processos cognitivos, idade psicológica da criança, e o que ela é capaz de aprender, musicalmente falando, de acordo com sua idade mental, psicomotora e afetiva" (p.64).

Um currículo estruturado dessa forma propiciaria melhores condições de aprendizagem musical, pois estaria em conformidade com o desenvolvimento físico e psicológico da criança.

Além da abordagem pedagógica, outros fatores adicionam-se ao contexto das aulas de música nas escolas brasileiras. Fala-se da carga horária reduzida que é oferecida para o ensino da música.

Na maioria das escolas que oferecem aulas de música, estas são ministradas uma vez por semana num período que varia de quarenta minutos a uma hora. Não há dúvida que esse intervalo de tempo é insuficiente para que se realize um trabalho sólido e consistente. Outro fator importante são os recursos materiais adequados — espaço físico, instrumentos musicais, aparelho de som, computador, entre outros — para desenvolver-se um trabalho diversificado. Conforme Swanwick (1994), as aulas de música estão muito aquém dos avanços tecnológicos do século XX.

Discos, rádio, televisão, computadores, instrumentos musicais (teclados eletrônicos, por exemplo) proporcionam mais recursos para o acesso à música de todos os tipos e lugares. Fora da escola as práticas musicais crescem em função da tecnologia de sons materiais, apresentando uma grande diversidade, desde a música experimental, minimalista, até a música popular.

Dentro das escolas, ao contrário, parece que a prática musical está baseada em escalas pentatônicas e sons que aparentemente não fazem parte da vida dos alunos. A partir da exposição feita até aqui, constata-se a preocupação, não só no Brasil mas também em outros países, com os princípios teóricos e pedagógicos que regem o ensino da música nas escolas.

No Brasil, a reflexão e o debate sobre o tema aumentam de importância em razão da falta de planejamento e sistematização, dois aspectos que têm sido insuficientes na formação musical dos alunos.

Da mesma forma, a luta para que a música seja, de fato, uma matéria fundamental e obrigatória no currículo escolar das escolas brasileiras foi tema de discussão nos Encontros Nacionais de Educadores Musicais.